2 de agosto de 2010

Diários

Desde sempre fui fascinada por diários, ainda mais quando me é dada a oportunidade de adentrar o universo particular de autores que gosto e que, anteriormente à esse mergulho íntimo, aprecio suas obras. De Susan Sontag não sou uma conhecedora de todas as suas obras, tive maior intimidade com "Diante da Dor dos Outros" de 2003. Livro que usei para meu tcc de Artes Visuais. Há poucos dias comecei a leitura de seus diários, publicado pelo seu filho após sua morte (em 2004). Impressionante os seus registros e o seu conhecimento, desde muito cedo nutrido por uma curiosidade (quase que obrigatória) pela literatura, arte, música, teatro, história, ciência; além de sua vida pessoal, amor, sexo, casamento, experiências... Ela começa seus registros aos quinze anos de idade. Fascinante acompanhar seus pensamentos e reflexões. Deixo aqui um trecho, dentre tantos que me chamaram a atenção.

Ela começa citando Rilke:

"...a grande questão hereditária: ...se estamos sempre inadequadamente apaixonados, inseguros em nossas decisões, e impotentes em face da morte, como é possível existir?"

Susan Sontag: Mesmo assim nós existimos, e confirmamos isso. Confirmamos a vida da volúpia. Mesmo assim existe mais. Não se escapa da sua verdadeira natureza que é animal, id, para uma consciência autotorturante e imposta exteriormente, superego, como Freud diria - mas sim o contrário, como diz Kierkegaard. [...] Acredito em algo mais do que a épica pessoal com o herói encadeando os fatos, em algo mais do que a minha própria vida: acima de múltiplas coisas espúrias e desesperos, existe liberdade e transcendência. Podemos conhecer mundos que não experimentamos, escolher uma resposta para a vida que nunca foi dada, criar uma interioridade absolutamente forte e fértil.
Mas como, quando podemos, instrumentar o fato da plenitude e amor? Temos de nos aventurar a algo mais do que a segurança da educação reflexiva. Se a "vida é uma forma vazia, um molde negativo, do qual todas as ranhuras e reentrâncias são sofrimento, desconsolo e as mais dolorosas descobertas, então a peça fundida que se obtém disso... é felicidade, consentimento - a mais perfeita e a mais certa bem-aventurança." Mas como teríamos de ser protegidos e resolvidos! E isso leva a arte exterior da gente para a morte, a loucura - ah, onde está a liberdade expansiva, a liberdade instrumental, a liberdade que não seja essa enorme posse do coração que é a morte?
(13/2/50 - SS tinha 18 anos)

10 comentários:

G I L B E R T O disse...

Sheila

Também gosto de diários!

Já lestes RESISTENCIA, de Agnés Humbert, que conta a história de uma mulher dentro da resistência francesa na segunda grande guerra?

Muito bom!


Belo gosto líterário, mon ami!

Sheila C.S. disse...

Olá, Gilberto! Não conheço essa obra, não... Mas, fica a dica! Obrigada pela sua visita, sempre significativa. Grande abço.

Roberta Cadaval disse...

Eu gosto muito dos diários, desde sempre também! Acho que nos diários estão contidas as reflexões mais valiosas de um pesquisador. Aquilo que não foi publicado mas que foi o que deu origem ao trabalho final... Na minha opinião, é um processo muito importante dentro da pesquisa. Assim como tu, dos livros da Sontag, só li realmente o "Diante da dor dos outros" e fiz algumas leituras (mais dispersas) de alguns ensaios do livro "sobre fotografia". Já havia 'ouvido falar' deste sobre os seus diários, mas agora, fiquei bastante curiosa para adentrar no imaginário desta maravilhosa autora.. naquilo que não foi publicado, no que está na raiz daquilo que conhecemos.. Parabéns pelo blog Sheila! Está lindo!

Roberta Cadaval disse...

Voltei pra dizer que, no meu blog - há uns dois meses atras -, também fiz um post sobre diarios! Te 'linkei' lá e mando o link abaixo: http://relogiosdeareia.blogspot.com/2010/06/sobre-producao-de-diarios.html
Beijos querida, saudades!

AC disse...

Excelente post!

Beijo :)

Jeferson Cardoso disse...

Li recentemente, Cartas a Théo de Vicent Van Gogh, foi interessante ver o desenrolar da vida desse grande pintor que só foi reconhecido após sua morte, em vida vendeu apenas um quadro.
Jefhcardoso do
http://jefhcardoso.blogspot.com

Sheila C.S. disse...

Oi, Roberta querida!!! Que bom ter tua visita em meu blog e poder ler teu comentário, carregado do teu espírito curioso e explorador, acredito eu, cheio de influências sobre o que estás a estudar ultimamente, não? Um grande abraço.

Para AC e Jefh, agradeço o comentário também, e sobre "Cartas a Théo", é promessa de uma boa leitura em minha estante. O tenho há tanto tempo, mas ainda não o explorei. Porém, sobre a vida de Van Gogh, o pouco que sei, não tem como não ficar envolvida. Abço a vcs!

Anônimo disse...

Susan ainda é uma personagem enigmática pra mim...tem se tornado uma espécie de mito da contemporaneidade...
abs

P L disse...

Olá, Sheila.

Adorei o seu post! Tb adoro diários e creio que neles estão guardados os tesouros mais deliciosos de cada pessoa.

Beijos, querida.
Patrícia Lara

Sheila C.S. disse...

Olá, Matuto! Para mim, foi uma grande surpresa conhecer aspectos da pessoa Susan Sontag; bem colocada a qualidade de enigmática.
Patrícia, fica a sugestão então, para que conheças os muitos tesouros contidos nesse livro.
Abços, abços.