14 de janeiro de 2009

O Gambá



Ontem, dia 13 de janeiro, uma terça-feira nublada e pouco convidativa a programas típicos de verão, foi um dia diferente, de certo modo. Ainda pela manhã, meu irmão resolveu passear com nossas cachorras e logo ao sair de casa avistou um animal que se encontrava no gramado de uma casa próxima à nossa. Logo, constatou que se tratava de um gambazinho e que estava ferido, respirando com certa dificuldade. Assim, logo fui tomada por um estado de inquietude e certo nervosismo, como sempre acontece nessas situações em que me sinto mobilizada a fazer algo, mas não sei como agir... Bem, logo fui para a internet, já que foi a primeira coisa que me veio à mente, para tentar descobrir telefones de ONGs, de órgãos que pudessem ajudar, mas... foi em vão! Ou eu não soube procurar, ou realmente isso se configura como algo um tanto difícil, já que o normal são resultados de notícias, de eventos; enfim, telefones e informações mais objetivas não consegui.


Assim, comecei uma série de telefonemas, com uma certa ingenuidade liguei para a brigada, para os bombeiros, para o IBAMA, para a prefeitura, e até mesmo para veterinária particular (que infelizmente não se encontrava na cidade...) Bem... Sem surpresa alguma, era um tal de "pedalar" a responsabilidade, de "hoje não poderemos fazer nada", e por aí vai... Ainda mais se tratando de um animal silvestre, e logo um gambá, um animal culturalmente rechaçado, digamos assim... Por alguns momentos, até desisti da ideia, assim como quem tenta enganar a si mesmo, tentando me convencer de que já tinha feito o que podia e que não havia mais nada a se fazer... Mas a angústia era grande... Para mim importava ser um animal, seja ele qual fosse, importava que era um ser vivo e o motivo de tal angústia era, principalmente, pelo fato da forma como ele estava morrendo, aos poucos, minguando e sofrendo. Lembrava de uma professora, que quando os alunos descreviam situações sociais e cotidianas não muito corretas ou agradáveis as quais tinham presenciado, ela sempre indagava: "E o que você fez?", muitas vezes desarmando o narrador que se fazia tão crítico... E não que ela quisesse constrangê-lo, mas eu tomei isso como uma forma de ampliar a noção de responsabilidade, que muitas vezes restringimos aos nossos deveres pessoais. Portanto, essa frase martelava em meus pensamentos, quando lembrei um pouco mais tarde de um casal de amigos, que acreditei, poderiam ter contato com alguma ONG, pelas suas vivências e tal... Liguei para meu amigo Cláudio e esse rapidamente me retornou com o telefone de uma veterinária, Vanilda é seu nome, responsável pela ONG "Amigo Bicho". Liguei imediatamente para ela, e enfim, um discurso diferente! Ela se colocou a disposição para cuidar do animalzinho e depois encaminhá-lo ao seu hábitat, se sobrevivesse...


Mas, então, a segunda parte da história começou pois, teríamos que levá-lo até a cidade, já que estamos no Cassino, e o pessoal aqui de casa não se mostrou muito receptivo à ideia. O cheiro, o carro, é perigoso, quem vai pegá-lo, não vai resistir... Entre outros argumentos até compreensíveis, mas que eu não quis escutar e me convencer de nenhum. E de tanto insistir e até mesmo apelar para as lágrimas, consegui fazer com que embarcássemos no carro, com uma caixa no porta-malas levando um gambazinho filhote, e que por sinal, estava ainda bem vivo, mais do que nós havíamos imaginado. Na cidade, entregamos o mesmo à veterinária Vanilda, a quem eu fiquei muito agradecida, e deixo aqui registrada minha admiração. A sua ONG não faz trabalho de recolhimento de animais, tão pouco ela faz atendimentos gratuitos, mas nos disse que há uma lacuna em Rio Grande a respeito de atendimento a esses animais, e assim, teve a boa vontade de recebê-lo e tratá-lo.


Retornamos para casa com uma boa sensação, e eu com o coração mais em paz. E diga-se de passagem, o gambazinho não exalou nenhum cheiro no carro. Ouvi, em algum momento, que não se pode salvar o mundo, e não foi por descaso, apenas não reagimos todos da mesma forma diante dessas situações. Porém, penso que não se trata de abraçar o mundo, mas quando certas coisas se apresentam assim, diante de nossos olhos, na frente de nossa casa, a quem cabe fazer algo? Lembrando a frase: "E o que você fez?" Acredito que ela me acompanhará sempre, como um dispositivo de motivação e mobilização.


Agora, a pouco, liguei para a veterinária para saber do gambazinho. Ela disse que ele foi atacado por cachorros, que está muito machucado, mas está resistindo, e hoje será encaminhado para o núcleo de animais silvestres em Pelotas. Tomara que consiga sobreviver, ou ao menos que tenha uma morte menos sofrida.








Um comentário:

Cláudio Azevedo disse...

"E o que você fez?", acho que já ouvi essa pergunta algumas vezes!
Sheila, a história que contas apresenta atores sociais em uma peça da vida real, cotidiana! Confesso que pensei num roteiro ou em escrever tua estória, hehe... pode se transformar numa ótima metáfora que responda aquela pergunta inicial!!!
e acredito que isso é um pouco daquilo que escrivi sobre "pensar em algo ainda não constituído em nossa cognição". Quero dizer, os orgãos competentes não conseguiram ajudar! Mas pergunto o que está em primeiro lugar? Não deveria ser a vida? Enfim, tua história narra um possível para além dos "muros consumidos pelo consumo", anunciando a vida e uma nova cognição agora constituída de experiência, possibilidade, telefonemas, imagens (como a foto do gambazinho! hehe..), "novas" pessoas, novos seres. Show de bola!!! Isso é possível! Grande abraço pra vcs!