8 de abril de 2009

O Corpo: um campo de significados

Esse texto ainda faz parte das memórias escritas ano passado para a cadeira de Antropologia Social. Algumas delas ainda não foram publicadas aqui, aos poucos, estarei publicando-as.


Desde que iniciamos as discussões sobre o universo das travestis muitos aspectos envolvendo esse tema surgiram, porém, o auge da discussão, sem dúvida, é o processo de transformação do corpo masculino para o corpo feminino. Muitos sentimentos e opiniões advém dessa temática, mas o importante nesse contexto de reflexões é que um caminho foi aberto para pensarmos sobre o corpo e tudo o que ele representa.
Antes de abordar especificamente o corpo, quero ainda retomar a questão da sexualidade/ travestis/sociedade, para que consequentemente alguns aspectos sobre o corpo se apresentem.
Em meio às leituras sobre sexualidade, um ponto em especial me chamou a atenção, pois nunca havia pensado de forma profunda sobre a afirmação ali contida, sendo algo tão presente em nosso cotidiano; trata-se da incorporação da sexualidade ao indivíduo, transformada em caráter profundo do mesmo.
Michel Foucault escreve sobre como o comportamento sexual foi ao longo do tempo servindo às necessidades do poder vigente e o discurso sobre o sexo transformando-se. Assim, no século XIX a psiquiatria classificou todos aqueles comportamentos sexuais que não se enquadravam às limitações atribuídas ao sexo.

"A homossexualidade apareceu como uma das figuras da sexualidade quando foi transformada, da prática da sodomia, para uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um reicidente, agora o homossexual é uma espécie." (FOUCAULT, 2007)
Realmente a visão social dirigida aos grupos que orientam-se por uma vida sexual diferente da convencional é como que um olhar uma outra espécie, outros seres, distantes, onde todos os seus atos, palavras, gestos, ou até mesmo um suspiro tem de ser interpretado à luz da sua condição sexual. Foucault coloca essa questão de atribuir a conduta do indivíduo à sua sexualidade como uma incorporação, uma restrição, pela qual ele passa a ser visto e reconhecido.
"A mecânica do poder que ardorosamente persegue todo esse despropósito só pretende suprimi-lo atribuindo-lhe uma realidade analítica, visível e permanente: encrava-o nos corpos, introdu-lo nas condutas, torna-o princípio de classificação e de inteligibilidade e o constitui em razão de ser a ordem natural da desordem. Exclusão dessas milhares de sexualidades aberrantes? Não, especificação, distribuição regional da cada uma delas. Trata-se, através de sua disseminação, de semeá-las no real e de incorporá-las ao indivíduo." (FOUCAULT, 2007)
No caso das travestis esta incorporação se dá de fato. Seus objetivos, entre tantos possíveis, é externalizar a sua sexualidade, o que se é ou o que se deseja ser. Sendo assim, o impacto social é maior, pois a condição está inscrita no corpo de forma explícita, representando uma forma de "ser", e talvez dando pistas de que não se trata de uma transformação corporal adquirida facilmente.
O campo de significados que caracteriza o corpo é um elemento inerente a qualquer homem. Todos trazemos em nossa linguagem corporal inúmeras informações, desde sensações momentâneas até aquelas informações que já estão a tanto tempo inscritas culturalmente que já não as percebemos conscientemente.
Pierre Weil em seu livro "O Corpo Fala", lança a seguinte pergunta: "O que há de comum entre as pessoas?" e responde que "precisamente cada qual zela pela sua individualidade, pela personalidade que lhe é própria. E demonstra sua ânsia de preservá-la."
Nosso corpo não é receptáculo de uma possível alma, é um todo único, ou seja, nós somos o corpo.O comportamento das travestis, no que se refere às transformações de seus corpos não estaria alicerçada neste fato? Harmonizar os seus desejos e suas personalidades com a linguagem corporal, com o corpo, sendo que a estrutura masculina não suporta e não dá a ver a legitimidade de seu "ser"?
A questão "corpo" tem muito a ser explorada devido às inúmeras implicações em torno desse tema. Essa memória vem apenas introduzir esse ponto em meio a assuntos que já vínhamos desmembrando.
O fenômeno da linguagem corporal como forma de ser e estar no mundo e também percebê-lo deve receber um olhar mais atento, mas não no sentido de dar nomes às diferentes formas como esses corpos vivem e se mostram, mas para tornar perceptível os mecanismos subjacentes que são transmitidos através do corpo, assim como os mecanismos de poder que agem sobre as formas de se olhar, cuidar, relacionar-se com, e ser esse corpo.
"Visível-vidente, táctil-tocante, sonoro-ouvinte/falante, meu corpo se vê vendo, se toca tocando, se escuta escutando e falando. Meu corpo não é coisa, não é máquina, não é feixe de ossos, músculos e sangue, não é uma rede de causas e efeitos, não é um receptáculo para uma alma ou para uma consciência: é meu modo fundamental de ser e de estar no mundo, de me relacionar com ele e de ele se relacionar comigo. Meu corpo é um sensível que sente e que se sente, que sabe sentir e sentindo. É uma interioridade exteriorizada e uma exterioridade interiorizada. É esse o ser ou a essência do meu corpo. Meu corpo tem, como todos os entes, uma dimensão metafísica ou ontológica." (Marilena Chaui)
Referências Bibliográficas
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2006.
FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade 1 - a vontade de saber. 18ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2007.
WEIL, Pierre. O Corpo Fala - a linguagem silenciosa da comunicação não verbal. 54ªed. Petrópolis: Vozes, 1986.




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