7 de agosto de 2009

Co-nascer


Levando em conta os processos de construção e conceituação de conhecimento, percebe-se que hoje o saber e a sociedade (diante desse saber), sofrem uma grande crise. Crise essa que se dá principalmente pela relação do homem com o conhecimento, como um ser responsável por essa construção, mas ao mesmo tempo “vítima” de todo um processo que culmina na pós-modernidade.

Para a autora do texto “Onde já se viu árvore roxa?” Conhecimento e Subjetividade, Nise Pellanda, “a partir da modernidade, o conhecimento é considerado uma relação entre o sujeito que tenta conhecer algo e o objeto a ser conhecido. Conhecimento, no entanto, implica sempre num ato que se dá na relação dos seres humanos com o mundo, constituindo a ambas as partes neste processo.”
A partir de tal afirmação, torna-se necessário pontuar de que forma o sujeito absorveu, viveu e transformou o saber, assim como o que significava esse saber em diferentes épocas históricas, para que assim haja de fato um entendimento sobre os “porquês” de hoje.


Na Grécia clássica o conhecimento era caracterizado por dicotomias, dicotomias essas que até hoje perpetuam em nossa cultura. O pensar, o corpo, a razão estavam em extremos opostos ao executar, ao espírito e aos sentidos. A razão acima de tudo será o “lema” de Platão, sendo assim, o que ele nos dizia era que o “verdadeiro” conhecimento precisava atingir o mundo racional das idéias e isso só poderia ser alcançado de forma metódica, científica ou filosófica.

O homem nessa época passa a ser um homem dividido, ou seja, é visto como um homem da ciência, pensante, racional, dono da “verdade”, ou como um homem do trabalho, que executa, que sente. De acordo com essa atmosfera grega, acredito ser bem-vinda uma relação com o texto “O Senso Comum e a Ciência”, onde Rubem Alves provoca uma reflexão no leitor sobre a importância do saber científico e do saber popular, colocando que ambos permeiam nosso mundo, nosso cotidiano e que a diferença básica entre um e outro é de fato o método, o método científico, pois quem avalia o conhecimento do senso-comum é a prática, a tradição, e este não comporta críticas. O autor ainda nos convida a refletir sobre a valorização de um sobre o outro, como forma de reavaliarmos certos conceitos do que vem a ser a verdade sobre o conhecimento.


Na Idade Média, há uma negação da filosofia, porém as obras dos filósofos aos poucos vão penetrando na Europa e acaba por haver uma conciliação da lógica com a fé.
Em um dado momento há o predomínio da revelação sobre a experiência sensorial. Após, há certa preocupação com a razão e as idéias inatas de Platão e em um terceiro momento aparece a preocupação com o mundo sensível sem deixar de estar atrelado à fé.


Com o aparecimento do modo capitalista de produção inicia-se então o processo de “coisificação” do homem.
Essa época é marcada por grandes nomes que contribuíram para o contexto da ciência e do saber como forma de reafirmar conceitos já estabelecidos ou como forma de grandes revoluções no conhecimento.


Galileu e Descartes vêm afirmar o poder da razão através da ciência que só pode ser medida, quantificada e comprovada. Sendo assim, o homem começa a perder sua relação primitiva com a natureza, ele passa a se ver como algo externo e não mais como parte da natureza.

Talvez aí esteja um dos pontos mais críticos e importantes para explicar muito de nossa crise atual. A natureza é desprovida de qualquer sentido mágico e passa a servir ao homem como objeto de exploração e de sustentação do modo capitalista. O homem fragmenta-se então em corpo, alma e intelecto e por fim, a forma de “conhecer” torna-se mais problemática, já que o homem e seu objeto agora estão distanciados, e o homem então, não será capaz de suportar essa quebra, pois agora ele é um sujeito solitário, autônomo e não há nada que o ampare.


Outros nomes vêm então para ocasionar uma ruptura importante nesse longo processo, pois o homem desprovido de emoção não conseguiria manter-se por tanto tempo.

Hegel, trás a reflexão sobre subjetividade; Marx afirma que existem forças ocultas na sociedade; Nietzche encontra o sujeito buscante, sofredor; Freud trás à tona as emoções e constrói o conceito de inconsciente. Eles identificam o que estava oculto na sociedade, o que estava latente e precisava urgentemente ser liberado e dão nome a essas forças. Sobre Marx e Freud, “Eles fazem coincidir em suas obras o impedimento do conhecimento com o obstáculo à construção pessoal”. (Nise Pellanda)

Freud é considerado um marco, pois através dele foi instaurada uma nova forma de relação do sujeito com o objeto na construção de seu conhecimento, pois Freud mostrou o inacabado, o invisível, ou seja, a partir dele foi lançado um outro olhar para o humano.

A Revolução Industrial e as duas grandes guerras também são marcos importantes já que após as guerras torna-se necessária uma reconstrução humana em termos econômicos e sociais, porém o resultado dessas conjunturas sóciopolíticas-econômicas refletem na cultura e na constituição de subjetividade, produzindo um modelo social excludente. A base ideológica montada gerou uma patologia social devido à fragmentação cultural instalada.


Temos hoje um hiperindividualismo em contraponto a uma construção de conhecimento que só pode ser construída pela relação com o outro.
As práticas dominantes hoje, não vêm contribuir para que o homem seja sujeito de seu conhecimento (co-nascimento), ou seja, para que este seja atuante no ato de simbolizar, daí a “patologia do conhecimento”. Só a partir de sua ação sobre a realidade de forma construtiva é que o homem tornar-se-á de fato SUJEITO.


Sendo assim, o que se percebe hoje é a necessidade de uma ciência diferente da que tínhamos como “verdadeira” e que de certa forma ainda predomina. Não há mais como negar essa urgência, de uma ciência com “rosto humano” que por conseqüência acarretará em uma nova forma de ver o conhecimento. Uma ciência então, como foi lindamente expressa no texto referência, calcada no AMOR, com toda a amplitude de significados que essa palavra possa oferecer.


(Sheila Chaves)

Referência - “Onde já se viu árvore roxa?” Conhecimento e Subjetividade (Autora: Nise Maria Campos Pellanda)

3 comentários:

Fernanda disse...

Nietzsche reflete que o capitalismo, principalmente, dá ao homem apenas os meios para a produção do conhecimento estritamente necessário ao lucro. Assim, exige que ele se atenha ao trabalho, o que contribui para valores de autonegação. Para o fortalecimento dessa "virtude", contribui a Igreja Católica que, desde que é permitida pelo Império Romano, passa a ter cunho de "ópio do povo", como diria Marx.

Como sempre, belos textos, bons assuntos. Sempre me vejo replicando e debatendo teus escritos, porque eles tem vocação para discussões inteligentes.

Fernanda disse...

ai, me achei, "discussões inteligentes" ;)
que horror, eu não assim... heheheeh
beijo, Sheila!

Sheila C.S. disse...

Sim, e não é à toa que todas aquelas pessoas que se dirigem a conhecimentos que não estão enquadrados nessa objetividade lucrativa ficam à margem do que seriam, por exemplo, as "profissões de respeito", ou vistos como pano de fundo de uma sociedade que, como citaste, conduz direitinho os caminhos e escolhas, para fabricar seres cada vez mais bem sucedidos e fadados ao fracasso pessoal. Pior ainda, é a nossa cultura, escrava de verdades absolutas, apenas porque passaram pelo filtro "indiscutível" da ciência, que também faz a sua parte de forma bastante restrita, de modo a "provar", na grande maioria das vezes, o que convém, a mando de interesses poderosos. Longe de passar imperceptível a importância desta, mas uma ciência com rosto humano, como ela tráz no texto referência, ainda está longe... Mas, nada de novidades, sempre aquilo que está por trás de tudo, sempre lucro, sempre o dinheiro e nós que digamos amém...

(Esse texto da Nise Pelanda é lindíssimo, lembra de te mostrar na próxima oportunidade de um encontro "ao vivo".) Abção.