29 de março de 2013

Manchas escuras - Manchas de luz

Tudo o que aflora à superfície na parte apolínea da tragédia grega, no diálogo, oferece um aspecto simples, transparente, belo. Nesse sentido, o diálogo é a imagem do grego, cuja natureza se revela na dança, porque na dança a maior força é somente potencial e ela se trai somente na elasticidade e na exuberância do movimento. Assim a linguagem dos heróis de Sófocles nos surpreende nesse ponto por sua precisão e por sua clareza apolíneas, de tal modo que logo julgamos penetrar até o mais profundo de sua natureza e ficamos estupefatos por achar tão curto o caminho das profundezas. Mas se abstrairmos, por um momento, o caráter exteriormente perceptível do herói - que, no fundo, nada mais é que uma imagem luminosa projetada numa parede escura, isto é, uma parência pura e simples,  - penetramos então no mito que se projeta nesses reflexos luminosos; constatamos subitamente um fenômeno que se manifesta como o inverso de um fenômeno ótico bem conhecido. Se, depois de termos feito grande esforço para fitar o sol de frente, nos desviarmos, manchas escuras aparecem diante de nossos olhos, como benéfico remédio que acalma nossa dor; de modo inverso, essas aparências luminosas do herói de Sófocles - numa palavra, o apolíneo da máscara - são as consequências necessárias de um olhar profundo para dentro do horroroso da natureza; são como manchas de luz que devem aliviar o olhar cruelmente dilatado pela horripilante noite. Somente nesse sentido nos é permitido acreditar que possuímos o conceito exato, sério e significativo da "serenidade helênica", enquanto que, na realidade, por todos os caminhos e sendas do pensamento contemporâneo topamos com o conceito mentiroso de um bem-estar não ameaçado, sob o qual esse serenidade é geralmente representada.

Nietzsche - O Nascimento da Tragédia

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