22 de julho de 2009

Ainda da febre - I

Da liberdade que sentia nas noites chuvosas e que sozinha com o silêncio desfrutava, passava a conclusões tiranas que logo limitavam a sensação, tirando-lhe o direito de ser nomeada como tal. E então, liberdade transformava-se rapidamente em uma palavra, um signo linguístico apenas, a qual vislumbrava aproximar-se, remeter-lhe semântica.

Sabia que estava presa em seu pequeno universo, porque era isso o que lhe restava. E passava os dias a sentir, ignorando o que isso lhe requeria.

Claro que se ocupava das diversas coisas, as que preenchiam as horas do dia, e até mesmo escutava a previsão do tempo, também era vista com sacolas de legumes e pães olhando para os lados antes de atravessar a rua. Era curioso como repentinamente sentia-se motivada a espiar pela janela, querendo saber o que o momento a reservava.

Como todas as pessoas aparentemente comuns, disfarçava a enorme bagunça e a complexidade que representava para si mesma, agindo como todos, com movimentos ensaiados da vida normal.

Por que precisava desejar sempre mais?
Por que tudo precisava ser grande o bastante para inundá-la?
Teria alguma ideia do motivo que a levava sempre a perder-se em si mesma?

Uma delas estava cansada, aquilo de sentir o coração pela via do sofrimento. Não podia mais. A outra, era viciada. Dependia de entorpecentes imaginários, as ilusões; alimentava-se delas e fazia com que mesmo naqueles momentos em que seus afazeres tinham o caráter mais insignificante se percebesse doida a remoer por dentro o impossível. Será que por que impossível? Será que detinha em doses maiores que as necessárias aquela angústia humana chamada falta?

Ela estava prestes a matar uma delas porque a brincadeira estava a ficar sem graça; os prejuízos apontavam logo ali. Não sabia qual seria eliminada de sua alma bipartida, mas uma vez feita a escolha a seguiria até o fim.

Deitaria a cabeça no travesseiro macio, adormeceria, e ao despertar, uma parte de si ficaria para trás... Não permitiria mais que viesse a enlouquecer lenta e progressiva, duplamente.
Trataria de ser rude e provar o gosto de uma decisão que não lhe seria oportuna, nem ao menos confortável, fosse ela qual fosse...

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