23 de julho de 2009

Da lucidez amarga - III

Semanas haviam se passado, meses, estações... Acreditava cegamente que havia vencido e comemorava cada dia que havia passado por ela.
Distraiu-se com tudo o que pôde, até mesmo buscou por alegrias vãs, mas nunca soube ao certo se as sentiu.

Tudo estava tão diferente... O seu jeito de andar, o cabelo arrumado, a disposição dos móveis em sua casa. E a vida a pressionava, a desafiava. A sua arma? O silêncio, o nada.
Tinha uma relação tão íntima com a ausência de ruídos, de pessoas, sempre sentiu-se perfeitamente incluída àquelas atmosferas raras que pareciam pairar sobre o mundo para silenciá-lo. Mas, essa outra, a que havia se tornado, notavelmente que não se dava a esses encontros secretos que sempre favoreciam deparar-se com a sua amargura. Como um espelho que lhe devolve o que é seu.

Então um fim de tarde, após longas horas inutilmente produtivas ela chegava em casa. Ao entrar, fechou cuidadosamente a porta como quem inconscientemente tenta alongar um instante. Ainda enfiou a chave na fechadura e completou duas voltas.

Virou-se em direção às suas coisas, e sem dar um passo sequer, sem que um motivo aparente se fizesse presente, foi tomada por uma sensação que fazia com que angústia acabasse por significar muito mais do que a capacidade de compreendê-la. Ninguém ouviu aquele grito arrancado de seu corpo... Fino. Extenso. Doído.
Não conseguiu mover-se. Caiu lentamente sobre suas pernas levando as mãos contra o rosto, e chorou.

Chorou porque já era tão tarde e no seu íntimo nunca havia acreditado de fato naquela escolha. Só que mesmo descrente foi tornando-se o que hoje transbordava em seus limites. É que pensava que pudesse deliberadamente, a qualquer momento, voltar atrás. Mas o tempo havia feito o seu trabalho e ela não notara que a mentira ganhara espaço, e de onde estava tudo era poderosamente irreversível, como sempre é.

Não se sabe quanto tempo por ali ficou... Curvada à sua rendição, deixando sorver a dor. Sabia-se apenas que haviam muitas histórias perdidas, muitos momentos não sentidos ainda pelos quais chorar.

Um comentário:

B. disse...

eu gostei!
;)
http://algoquetenhoadizer.blogspot.com/