3 de agosto de 2009

Universo singular


O documentário “Edifício Master” de Eduardo Coutinho (2002) ficou registrado em mim como um mosaico de vidas... São tantas histórias diferentes, com pessoas que em um primeiro momento parecem não ter nada em comum, mas existem elementos essenciais que aproximam essas pessoas, essas histórias.

Poderia dizer que existe algo gritante que faz com que a essência dessas pessoas se assemelhe, embora com características e trajetos de vida bastante distintos: a solidão, a memória e o amor.

Retomando o começo do documentário, fica claro que o próprio prédio já tinha uma história. Ele era visto aos olhos das pessoas que ali vivem, e provavelmente por outras pessoas da cidade, como um prédio que anteriormente era habitado por elementos que não se encaixavam dentro dos padrões aceitos pela sociedade, tinha um estigma; e hoje seria visto como um lugar melhor de se viver (segundo alguns moradores), já não tão carregado pela condição anterior.

O documentário tem por objetivo, assim interpretei, “olhar” mais a fundo o universo singular de pessoas que habitam esse condomínio tão grande, ou seja, o que tem por trás desse todo. Parece que nos acostumamos ou aprendemos a enxergar as coisas dessa forma, a precisar opiniões levando em conta aspectos que rotulam ou que generalizam, e não defendo a ideia de que devemos ignorar os contextos, mas o que quero dizer é que repetimos muitas vezes frases do tipo “As pessoas que estudam naquela escola”, “Os moradores daquele bairro”, “Quem mora naquela cidade, naquele país" e por aí vai... Tendemos a generalizar e muitas vezes julgar um determinado contexto, ou melhor, indivíduos pertencentes a determinados contextos.

Sendo assim, vejo esse documentário como que querendo mostrar esse outro lado, da vida de cada pessoa com todas as particularidades que cada uma traz e com toda a sua história e condição emocional, cultural, financeira, que fazem com que sua personalidade tenha ou não determinadas características.

É o cuidado com o singular dentro de um mundo plural!

Faço uma relação com o filme “Nós que aqui estamos por vós esperamos” de Marcelo Masagão, um filme igualmente sensível que além de retratar acontecimentos do século XX, enfatiza o homem comum que participou e construiu a história.

Em algum momento do filme uma frase mexeu muito comigo e sempre volto a pensar nela quando preciso escutar notícias de massacres, de tragédias em massa, enfim, em momentos que os fatos têm mais importância do que as pessoas envolvidas.

A frase expressa no filme diz que “Em uma guerra não se matam milhares de pessoas. Mata-se alguém que adora espaguete, outro que é gay, outro que tem uma namorada. Uma acumulação de pequenas memórias...” (Cristian Boltanski)

Minha sensação ao assistir o documentário foi de tranqüilidade, como se eu apenas tivesse de escutar e aprender. Pareceu-me que eu deveria, ali no lugar em que me encontrava, ter apenas um pensamento continente, de receber, de prestar atenção e compreender cada palavra, cada expressão, cada desejo, sentimento, sofrimento.

É como se nos transformássemos em voyeurs e eles realizassem uma entrega.

Como diários revelados a humanidade é exposta, denunciada através da linguagem, dos objetos, do lugar privado de cada um, e daquilo que somente a sensibilidade é capaz de captar.

(Sheila Chaves)


(A equipe de filmagem filmou os relatos dos participantes durante sete dias. O Edifício Master localiza-se em Copacabana, possui 276 apartamentos e lá residem cerca de 500 pessoas.)

2 comentários:

Fernanda disse...

E eu ontem, que vinha pensando, olhando todas aquelas casas e refletindo sobre quantas milhões de histórias estão grudadas nas retinas irreais de paredes e portas, de janelas e tetos?

E concordo plenamente com a bela sensibilidade da frase do documentário. Lembro que também chamou a minha atenção quando vi...

Beijo, Sheila!

Sheila C.S. disse...

Eu assisti o documentário no ano passado, por conta de uma cadeira da faculdade. Ontem, na falta de assunto, ou melhor, diante da facilidade do Ctrl C + Ctrl V, resolvi postar aqui esse texto que já estava pronto (na verdade é parte de um trabalho bem maior)e que eu havia escrito para essa disciplina.
(Eu estava um pouco inclinada a escrever sobre "a devassa" hehehe... Mas achei que deveria estar mais inspirada.) Então, nada de novidades, já que ele é bem antiguinho, mas para quem ainda não viu, fica a dica.