22 de outubro de 2008

Antropologia social: Um enorme coração


memória 4 - sobre aula do dia 14 de agosto/2008. (ver introdução às memórias)



Na primeira memória desenvolvida para essa disciplina, escolhi escrever sobre o método etnográfico, onde expressei um pensamento, um sentimento sobre um fator negativo que poderia estar presente no trabalho de campo: a postura de vaidade e superioridade do estudioso.

Porém, através das leituras sobre o estudo antropológico, pude perceber "o outro lado" dessa questão, a importância do método etnográfico como forma de desacomodar o pesquisador para que ele possa "tomar contato direto com seus pesquisados, obrigando-o a entrar num processo profundamente relativizador de todo o conjunto de crenças e valores que lhe é familiar".
(DAMATTA, 1987)
Fazendo uma relação com meu cotidiano, consigo perceber essa importância de ir a campo, ou seja, trago à tona aquela velha questão entre teoria e prática.
Em minha experiência como professora de Ed. Infantil e alfabetizadora (como alfabetizadora por pouco tempo - apenas dois anos), ou seja, no contexto da educação escolar esse problema da teoria-prática é bastante presente e é de fato um problema a ser resolvido, pensando de forma otimista...
Muitas vezes as pessoas que têm funções que lhe dão poder de decisões, e de decisões importantes, que atingem significativamente o cotidiano do professor e do aluno, são profissionais teóricos, apenas! Profissionais imbuídos de teorias que se acumulam, mas nunca foram postas à prova, ou seja, não existe o contato direto, humano, de vivência com o dia-a-dia da sala de aula para a partir daí compreender as necessidades e a realidade de um grupo e adaptar essas teorias a uma real aplicabilidade.
O contrário também se torna um problema na educação e eu não saberia dimensionar, mas me parece que possa ser um problema ainda mais comum ou equivalente ao já mencionado, que é o do exercício da prática educativa sem o estudo e um conjunto de teorias importantes, que são o conhecimento mínimo que um professor precisa adquirir para direcionar e situar sua prática.

Essas duas questões, além de todo um contexto sócio-político, é que acabam por banalizar o processo educativo, transformando-o em um processo que não se alarga no sentido de significar crescimento pessoal, "cultural" e transformador para um indivíduo, e conseqüentemente para sua comunidade e daí para um contexto maior.
Acredito que o método etnográfico, pelo que tenho estudado (então correndo o risco de teorizar sobre algo que não vivenciei), mas pela compreensão que tenho tido, vem combinar de uma forma mais verdadeira a construção de teorias, interpretações, a partir da realidade vivida, ou seja, conhecer, compreender de fato o grupo, ambiente pesquisado, para que dessa forma possa se chegar a uma construção teórica, a dados sem a interferência de outros olhares (conclusões provindas de outros estudos sobre o mesmo objeto).
Um outro dado importante sobre o método etnográfico é que essa forma de pesquisa veio contribuir, ou vice-versa, com o abandono da postura evolucionista, a partir do séc. XX. "O ponto de vista evolucionista pressupõe que o curso das mudanças históricas na vida cultural da humanidade segue leis definidas, aplicáveis em toda parte, o que faria com que os desenvolvimentos culturais, em suas linhas básicas, fossem os mesmos entre todas as raças e povos". (BOAS, 1920)
Sendo assim, essa postura foi aos poucos substituída por uma "revolução funcionalista" pelo fato do método de pesquisa fundamentar-se no contato direto do estudioso com o grupo a ser investigado, na sua inserção e também aceitação nesse grupo, para que a partir daí se pudesse "perceber o conjunto da ações sociais dos antivos como um sistema, isto é, um conjunto coerente consigo mesmo"; ou então para "produzir interpretações das diferenças enquanto elas formam sistemas integrados". (DAMATTA, 1987)
A antropologia social, de acordo com Damatta, possui a característica de ser una e múltipla. Una pela sua posição de respeito por todas as formas de construções sociais, e múltipa na busca de seus dados, no sentido de não se prenser a nenhuma doutrina social, moral ou filosófica preestabelecida, a não ser aquela que diz "Nós sabemos apenas que não sabemos".
Essa última expressão destacada é um dos pontos que chama a minha atenção pois, ela resume a postura esperada no contexto da antropologia, já que essa ciência, como expressa o autor aqui tantas vezes citado, Roberto Da Matta, "tem um enorme coração onde cabem todas as sociedades e culturas". Sendo assim, o antropólogo precisará no mínimo possuir um coração de igual amplitude ou direcionar-se para isso.
Para finalizar, quero destacar um trecho de Franz Boas que vem representar de um modo geral as questões que envolvem o trabalho de campo, o processo educacional e outros contextos que necessitam compreensão, desacomodação e olhar sensível:


"Abstemo-nos de tentar solucionar os problemas fundamentais do desenvolvimento geral da civilização até que estejamos aptos a esclarecer os processos que ocorrem diante de nossos olhos."

Referências Bibliográficas:


BOAS, Franz. Antropologia Cultural; textos selecionados, apresentação e tradução Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.


DAMATTA, Roberto. Relativizando - Uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.

2 comentários:

Andréia Pires disse...

Excelentes reflexões. Bom texto. Abraços. :)

Sheila C.S. disse...

Obrigada, Andréia! Volte sempre!
Já adicionei um de seus blogs... Interessante, consistente e delicado. Gostei!